terça-feira, 27 de setembro de 2005

The Golden Voyage of Sinbad



IMDB | The Golden Voyage of Sinbad
Wikipedia | Ray Harryhausen
The 7th Voyage | Dedicated to Ray Harryhausen
Ray Harryhausen Profile
Stop Motion Works
The Art of Moving Things
WebHorror | Caroline Munro
Cult Sirens | Caroline Munro

The Golden Voyage of Sinbad, com o título português de A Nova Viagem de Sinbad, é um divertido filme dos anos setenta que gira à volta da mitologia dos contos arábicos das Mil e Uma Noites.

Durante uma das suas viagens, o lendário marinheiro Sinbad encontra um estranho amuleto tripartido. Koura, um perigoso e tenebroso mago cobiça esse amuleto, pois a junção das três partes do amuleto dará ao seu possuidor poder e riquezas para lá da imaginação. Perseguindo Sinbad com as suas artes mágicas, o mago potencia a união de Sinbad com o vizir de Marabia, um homem desfigurado que se esconde por detrás de uma máscara de ouro e possuidor de outro fragmento do amuleto. Este vizir é inimigo declarado de Koura, pois há já muitos anos que Koura tenta submeter a cidade de Marabia e sobre ela reinar.

Os fragmentos do amuleto revelam um mapa, que leva Sinbad e os seus marinheiros, ajudados pelo vizir de Marabia e uma bela escrava com o símbolo de um olho tatuado numa das mãos, até à ilha perdida de Lemúria, onde o mistério será desvendado. São sempre perseguidos pelo maléfico Koura, que abusa dos seus poderes mágicos até à exaustão nas suas tentativas de prejudicar a viagem de Sinbad. Graças aos tenebrosos encantamentos de Koura, Sinbad e os seus companheiros têm de derrotar horripilantes monstros, como uma figura de proa animada, um centauro com olho de ciclope e uma estátua animada da deusa hindi kali com cada um dos seus braços a brandir espadas. Depois de muitas peripécias, Sinbad defronta Koura numa luta até à morte, perante a fonte do início, o local onde quem possuir as três partes do amuleto receberá o poder e as riquezas. Aqui, Sinbad, após assistir a uma luta entre o bem e o mal simbolizada por uma luta entre o centauro e um grifo, derrota Koura e, num acto de abnegação, prescinde do poder em favor do Vizir de Marábia, que assim se cura das horríveis queimaduras que lhe desfiguravam o rosto.

Não é que Sinbad tenha saído a perder: prescinde do poder, e das responsabilidades que lhe estão associadas, a favor da liberdade de viver mais aventuras, e para ficar com a bela Margiana, a escrava que ele liberta no início do filme.


John Phillip Law como Sinbad

The Golden Voyage of Sinbad é um típico filme de aventuras, já um pouco datado, cheio daqueles cenários de cores exageradas onde nenhum pormenor é deixado ao acaso, e nenhum centímetro de ecrã é deixado vazio. A interpretação dos actores é a conveniente a um filme que não passa de uma aventura de rapazes, uma corrida com direito a duelo final. A única personagem feminina do filme é interpretada por Caroline Munro, uma scream quenn dos anos 70, objecto de desejo em ténues vestes arábicas. O filme é colorido, pitoresco, divertido e bastante banal. O tempo costuma ser inclemente com estes filmes, que quando são produzidos nos parecem fantásticos mas, anos depois, perdem o brilho e a excitação a que a eles associamos.

O que torna este filme indigno de ser esquecido pode ser resumido em poucas palavras. Dynamation. Ray Harryhausen. The Golden Voyage of Sinbad é, no fundo, um filme de efeitos especiais, em tudo semelhante a filmes mais nossos contemporâneos como A Múmia, National Treasure e tantos outros que estreiam semanalmente nas salas de cinema. Mas se os épicos do pixel e da maquilhagem que hoje se produzem apresentam efeitos especiais digitais incrívelmente complexos e realistas, The Golden Voyage of Sinbad foi realizado numa época em que os efeitos especiais dependiam de maquetes e efeitos ópticos de muito difícil realização. Em The Golden Voyage of Sinbad, o nome mais importante é o de Ray Harryhausen (aparece logo a seguir ao título, junto do produtor, Harry Schneer, enquanto que o do realizador mal se descortina), o mestre dos efeitos especiais mecânicos.


Caroline Munro como Margiana

Harryhausen é a lenda do mundo dos efeitos especiais. Na sua juventude, inspirado pelo clássico filme King Kong (o original, com um macaco animatrónico a despedaçar biplanos empoleirado no empire state building), dedicou-se ao estudo da animatrónica e da técnica de stop-motion, criando fantásticos filmes em que criaturas pré-históricas se moviam com um realismo quase perfeito. Harryhausen usava o truque do stop-motion, que consiste em filmar fotograma a fotograma um personagem que o animador mexe com extrema minúcia entre cada fotograma. Dando um exemplo: se querem mexer um braço, tiram um fotograma, mexem quase imperceptívelmente o braço, tiram outro fotograma, mexem mais um pouco o braço, e daí por diante. Uns minutos de filme exigem semanas de trabalho exaustivo. É uma técnica que exige precisão extrema e muita paciência, mas que resulta em filmes quase reais. Nota-se sempre as minúcias da animação, mas têm uma vantagem sobre os hiperrealismos digitais: aquela fisicalidade, aquela noção de que a criatura e o cenário existem, realmente, que os melhores efeitos de CGI ainda não conseguem transmitir.

Harryhausen é o mestre indiscutível deste género de animação. A sua inspiração, vinda do campo da ficção científica e da fantasia, traduzia-se na criação de fantásticas criaturas que aliadas a detalhados cenários em miniatura, concretizavam os sonhos mais fantásticos dos guionistas dos filmes em que Harryhausen trabalhou. Mas o principal valor de Harryhausen está na sua criatividade em conjugar técnicas. Nos filmes em que trabalhou, cada novo filme era um novo desafio que avançava em direcção à descoberta de novas técnicas de efeitos especiais. Em The Invasion of the Flying Saucers, clássico filme de FC de série B (homenageado pelo mais piroso filme O Dia da Independência, que também se revela uma homenagam à versão original de A Guerra dos Mundos), Harryhausen utiliza o stop-motion para animar a destruição de Washington pelos discos voadores. Em Jasão e os Argonautas, considerado o seu melhor filme, Harryhausen criou uma sequência fantástica em que Jasão luta contra sete esquelos animados. Essa sequência envolveu o actor a lutar contra o vazio, em posições cuidadosamente coreografadas, e a posterior inserção realista por rotoscopia dos esqueletos animados.

Neste The Golden Voyage of Sinbad, Harryhausen oferece-nos espectaculares animações de um homúnculo alado, de uma figura de proa que luta contra os marinheiros, uma fantástica estátua de Kali que, com os seus seis braços, dança e luta (duas cenas memoráveis e espantosas pela sua complexidade), um centauro com um só olho, e uma luta entre o centauro e um grifo. As lutas entre animais mitológicos eram uma paixão de Harryhausen, que começou a sua carreira com um filme feito na garagem de uma luta entre dois dinossauros - daí o nome da técnica de Harryhausen, Dynamation, que conjuga a noção de dinâmica com os seus queridos dinossauros.



A espantosa cena de animação com Kali

The Golden Voyage of Sinbad é um filme que vale a pena ser visto e coleccionado por estas razões. É certo que o seu enredo é talvez um pouco infantil; falta-lhe sofisticação, e os cenários irrealistas e hipercoloridos tornam-o um filme datado. Mas a qualidade do trabalho de Ray Harryhausen, a sua perfeição com as técnicas de animação, a minuciosa concepção dos seus efeitos especiais, no fundo, a perfeição artística de Harryhausen transformam The Golden Voyage of Sinbad num filme a ser recordado. Não é, talvez, um dos melhores. Mas não merece ser esquecido.