segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Missão Espacial



Fantastic Fiction | Chris Claremont
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Colecções de Literatura de Ficção Científica
Livros do Brasil | Colecção Argonauta
Argonauta
A Página da Ficção Científica e Fantasia

Chris Claremont - Missão Espacial (Fist Flight), Livros do Brasil, Lisboa, 1990

Os fanáticos de Ficção Científica portuguesa conhecem certamente a lendária colecção da Livros do Brasil. Aqueles livrinhos pequeninos, azuis, com capas surrealistas e o logotipo típico dos anos sessenta com um ícaro a tentar alcançar o sol debaixo das palavras Colecção Argonauta. É fácil não reparar neles. Tal como a colecção Vampiro (policial), são livros só para quem sabe. Pequenos, baratos, cabem em qualquer bolsinho e... ao longo dos anos, publicaram algumas das mais importantes obras de FC mundial. Esta singela colecção introduziu os leitores portugueses a Phillip K. Dick, Poul Anderson, Brian Aldiss, Roger Zelazny, e tantos outros. Tem sido uma colecção resistente, com publicações regulares, que já ultrapassou largamente os quinhentos números.

Os leitores fanáticos dos comics dos X-Men reconhecem certamente o nome de Chris Claremont. Durante vários anos, Claremont foi o responsável pelos argumentos das histórias dos X-Men. Foi dele a brilhante ideia de equacionar racismo com os super-poderes dos jovens mutantes treinados pela mente de charles xavier. Essa ligação foi um dos ingredientes da fórmula de sucesso que transformou os x-Men de personagens de segunda linha no sucesso que são hoje, com vários comics a girar à volta do universo dos mutantes. Outros ingredientes foram a estruturação das personagens como se fosse uma telenovela - a vida pessoal dos personagens passou a ser tão importantes para o desenrolar das histórias como as clássicas lutas entre heróis e vilões. Claremont também introduziu a noção de continuidade. Os comics são notóriamente constrangedores - a história tem de se desenrolar em dezassete páginas. Claremont deixava que apenas parte da história de desenrolasse nessas páginas... e continuava no número seguinte. Outro artifício utilizado foi este: a meio de uma história dos x-Men, já criava acontecimentos e situações da história seguinte. Gerava-se assim uma continuidade permamente, que obrigava o fã dos X-men a continuar a ler os comics de mês para mês.

Depois de alguns anos a argumentar as garras de Wolverine e os devaneios de Magneto, Claremont retirou-se para se dedicar à literatura de ficção científica. First Flight foi o seu primeiro romance.

Se Claremont deixou fama (e saudades) como argumentista de BD de super-heróis, como escritor de F.C. deixa muito a desejar. Missão Espacial, a tradução portuguesa de First Flight é um daqueles livros que se lê, entretem, deixa algumas ideias na cabeça, e depois se arruma na prateleira para recomendar como uma leitura leve e divertida (especialmente leve, tendo em conta o formato da colecção Argonauta). No livro, seguimos a trajectória da primeira missão de Nicole O'shea, piloto de naves espaciais. O enredo do livro é extremamente directo - inicia-se com um chumbo da cadete num treino de pilotagem, continua com a atribuição do comando de uma missão de treino (apesar do chumbo, há no ar insinuações de questões políticas e familiares) e desenvolve-se numa história de pirataria espacial e contacto com civilizações alienígenas. As personagens são tão bidimensionais como as folhas de papel em que o livro é impresso, mas perfeitamente adequadas a um livro que não parece pretender ser mais do que uma história de aventuras passada no espaço. Não tenho nada contra isso, desde que o autor seja verosímil. Se não o for, temos aquela palhaçada chamada Guerra das Estrelas - uns filmes divertidos, sim senhor, mas que só dão mau nome à Ficção Científica (e tentem lá explicar porque é que impérios, sabres de luz, motivadores de motores hiperespaciais e sonoras explosões no espaço profundo não têm nada a ver com Ficção Científica - o público em geral não percebe a diferença).

Como crítica, refiro apenas que Claremont deixou o seu universo mal estruturado. Sabemos que a acção se passa no futuro, sabemos que existem colónias no sistema solar e até mesmo nas estrelas mais próximas, sabemos que existem forças militares no espaço e piratas espaciais, mas tudo é revelado um pouco em cima da hora, impedindo a coerência do universo imaginado por Claremont. Se não percebem onde quero chegar, olhemos novamente para a Guerra das Estrelas: apesar de todas as suas falhas, é inegável que que o seu grande sucesso se deve precisamente a ter criado um universo coerente e imersivo, que espicaça a imaginação do público. No caso de Missão Espacial, o universo apenas espicaça a curiosidade por aquilo que não é dito, nem está explícito.

De qualquer maneira, recomendo o livro. Não é ficção científica séria, mas vale a pena ler, caso consigam encontrar este livro de diminuto formato (número 396 da colecção Argonauta). Pessoalmente, queimei umas horinhas de madrugada entre a noite e o nascer do sol sem ser capaz de pousar o livro. Se isto não for uma virtude, então não sei o que será.