Foi muito a contragosto que esta manhã reagi mecânicamente ao toque do despertador. Levantei-me, com o cérebro enevoado de sono, e preparei-me para o regresso às aulas. Regressa a rotina. Passei o dia de cérebro enevoado, a tentar perceber precisamente o que é que havia mudado nos miúdos durante as férias. Nada, pareceu-me, uma vez que os bons alunos continuam a sê-lo e os burrinhos de serviço continuam a navegar alegremente sem qualquer rumo. Também sem grande novidade, comecei a minha primeira aula sózinho. Estou habituado.
A sala de professores estava cheia de faces macambúzias, prontinhas a divulgar diatribes envenenadas sobre como era bom estar de férias, oh mas taaaão bom! Não lhes liguei. Fiz-me despercebido, acendi um cigarro e pensei nas burocracias que tenho de resolver até sexta feira, tentando descortinar qual a melhor maneira de as resolver com o mínimo de trabalho possível.
Brevemente começarão os bandos de encarregados de educação a mergulhar sobre a escola, prontos a desfazer os pobres directores de turma com todas as suas importantíssimas queixas, com as suas certezas de que os seus queridos filhinhos são muitíssimo bem comportados e se fartam de estudar, o que implica que as carradas de negativas que tiverem se deveram apenas à incompetência dos professores, ou, muito pior, a perseguições da parte dos professores. Está fora de questão tocar nos seus sacrossantos vândalozinhos...
Os meus deverão tentar o seu ataque na quarta feira. Vou-lhes trocar as voltas. Convoquei-os para duas horas diferentes, no mesmo dia, aleatóriamente. Para não dar tempo às habituais reclamações e opiniões inúteis, para as quais tenho muito pouca paciência.
Há encarregados de educação que se encarregam de descarregar todas as responsabilidades dos seus educandos sobre nós. Os professores, segundo o entender deles, podem e devem resolver todas as questões possíveis e imaginárias. Descarregam tudo, esde o ensinar de noções de educação básica, aos problemas familiares e às pequenas tragédias do dia a dia. Muitas vezes, ao ouvir encarregados de educação, quase fico deprimido pela irresponsabilidade por eles demonstrada.
Exemplos: "O meu filho falta constantemente às aulas para ir fumar fora da escola? É um incompreendido. Como é que posso justificar as faltas dele?"; ou então esta variante: "não sabia que era preciso justificar faltas por doença/atraso/qualquer outra desculpa possível, porque é que o meu filho as tem injustificadas?"; "não percebo como é que ele tem tantas negativas, se ele estuda tanto em casa...", seguido da explicação: estuda com a tv/playstation ligada ao mesmo tempo...; há o clássico "até pensei dar-lhe uma bofetada", geralmente utilizada para descrever os comportamentos civilizados que os alunos mesmo mal comportados têm junto dos seus pais; e o de sempre, aquela frase que me deixa de rastos: "professor, o que é que eu faço com o meu filho?", geralmente ouvida por mim da parte de mães (e pais) de crianças com dez anos de idade. Esta é mesmo a pior. Só me apetece perguntar-lhes porque é que tiveram as criancinhas, se não sabem o que é que fazem com elas... já para não mencionar que se não conseguem controlar um puto de dez anos, é porque o trataram como um animalzinho de estimação aos cinco anos (oh! parte-me a casa toda e já sabe chamar nomes às pessoas! tão giro!), aos quinze arrancam os cabelos desesperados e aos vinte já estão mentalizados que o terão que sustentar.
Não são todos assim, felizmente. Apenas uma imensa e incómoda maioria, que acaba por condicionar as nossas percepções sobre os encarregados de educação.
Isso, e a vontade que tenho de continuar as férias...