quarta-feira, 13 de abril de 2005

A escassez da morte

WorldChanging

Li recentemente um curioso artigo sobre o que poderá acontecer numa sociedade futura que se recusa a morrer. Na verdade, com os constantes avaços na medicina, é-nos possível viver cada vez mais tempo. Mas quais serão as consequências sociais deste fenómeno?

As vacinas foram das mais benéficas invenções da humanidade, mas tiveram como contrapartida uma diminuição da mortalidade infantil - o que é bom, mas causou uma explosão populacional. Os correntes cinco mil milhões de humanos neste planeta (e a subir) não seriam viáveis sem aquelas ferramentas da medicina que nós já consideramos rotineiras, mas que há um século atrás ainda não existiam. É esse o preço do progresso - ao resolver velhos problemas, gera novos problemas.

Cada vez vivemos mais tempo. A esperança média de vida está a dilatar-se enormemente, graças aos cuidados médicos universais, e cientistas há que dedicam as suas carreiras ao progressivo aumento da esperança média de vida humana. Fala-se em terapias genéticas, telomerases, dietas especiais, tratamentos anti-envelhecimento. A ficção científica cyberpunk, que espelha fielmente a nossa sociedade contemporânea, tem o evitar do envelhecimento como um dos seus temas basilares, através da exploração de hipotéticas terapias genéticas que esticam indefinidamente a duração de uma vida. Leiam o Holy Fire de Bruce Sterling, ou o Schismatrix, e percebem do que estou a falar. Mas a ciência, sempre mais séria e sisuda que os escritores de FC, também já fala em possíveis extensões da vida na ordem dos 200 anos.

As economias também já lhe estão a apanhar o jeito. Recentemente, tem havido um maior investimento no mercado da terceira idade, quer a longo prazo (o que é um PPR, no fim de contas?), quer a curto prazo, com o turismo sénior e outros produtos comerciais destinados a uma terceira idade cada vez mais activa e afluente. O grupo Espírito Santo Saúde investiu recentemente na construção de condomínios fechados para a terceira idade, que asseguram todos os serviços desejados por uma velhice endinheirada. E isto é o nosso panorama neste pequeno cantinho.

O problema, a meu ver, está na regenaração natural. Viver mais do que 70 ou 80 anos não era algo de orginalmente previsto no código fonte da natureza e das sociedades humanas. Vamos viver tempos interessantes de reajustamento social - idosos activos, ainda trabalhadores (a corrente polémica sobre o aumento da idade da reforma espelha essa dicotomia - entre uma sociedade que espera reformar-se aos 60 anos, por se considerar provavelmente inútil, e uma nova sociedade que percebe que com a idade já não vêm os achaques de antigamente, e que a terceira idade pode ser tão produtiva como os anos considerados de vida activa). Novas gerações com cada vez maiores dificuldades em marcar o seu lugar no mundo, uma vez que os mais velhos vao continuando, indefinidamente, nos lugares de topo. A inversão das pirâmides populacionais, com a terceira idade a tomar o lugar da juventude como o segmento populacional com maior número de indivíduos, com o correspondente caos nos sistemas de segurança social, previstos para um futuro em que o número de jovens ultrapassa o de idosos, mas com uma realidade oposta. As transformações culturais de uma sociedade que envelhece mas não desaparece - lembrem-se dos Rolling Stones, ainda a cantar e a tocar, e multpliquem esse pensamento por toda uma sociedade.

E nós estamos mesmo na crista da onda deste mundo novo. Estamos precisamente no limiar da longevidade. Mesmo com os nossos estilos de vida hedonistas, viveremos mais anos do que os nossos avós, sempre àvidos de novos tratamentos que nos aumentem a esperança de vida e reduzam a esperança de morte. Seremos cada vez mais activos, por muito mais anos, juntando as nossas vozes à cacofonia cultural que produzimos. A morte cada vez mais longíqua, e nós numa perpétua adolescência.

Cenários futuros: robots cada vez mais inteligentes para substituir uma força de trabalho que vai diminuindo; uma versão sangrenta da luta intergeracional, como guerra aberta entre uma juventude desprezada e uma sociedade idosa que consome os recursos disponíveis em proveito próprio; a colonização do espaço como nova fronteira para uma humanidade em expansão; o afogar em diversidade cultural, com cada vez mais vozes educadas a produzir cada vez mais cultura; e ?.