sábado, 5 de março de 2005

Perseguido por boas razões

Cresci filho de gente abastada. Os meus pais puseram-me um colarinho engomado,
educaram-me no costume de ser servido
e instruíram-me na arte de dar ordens. Todavia,
ao tornar-me homem e ver o que me rodeava,
não gostei da gente da minha classe,
nem de dar ordens nem de ser servido.
Abandonei a minha classe e juntei-me
ao povo de baixo.

Assim
criaram um traidor, ensinaram-lhe
as suas artes, e agora
ele denuncia-os ao inimigo.

Sim, divulgo segredos. entre o povo
estou, e explico
como enganam, e predigo o que está para vir,
pois fiquei a saber-lhes os planos.

Desmonto a balança da sua justiça
e mostro
os pesos falsos.
Os espiões deles informam-nos
de que estou com os espoliados
a preparar a revolta.

Adevertiram-me, tiraram-me
o que ganhei com o meu trabalho. Como não me emendei
perseguiram-me,
e como me acharam em casa
escritos pondo a nu
os seus planos contra o povo,
passaram-me uma ordem de detenção
na qual me acusam de pensar de modo baixo, ou seja,
o modo de pensar dos de baixo.
Marcado estou a fogo, onde quer que vá,
para todos os proprietários, mas os que nada têm
lêem a ordem de prisão
e concedem-me refúgio. Perseguem-te,
dizem,
por boas razões.

Bertolt Brecht (1898-1956)