sexta-feira, 25 de março de 2005

Fio do Horizonte



Por volta da hora do pôr-do-sol, o céu cobriu-se destas ominosas nuvens negras. Talvez haja uma significação devido à data. Hoje é sexta feira santa, data que para os que seguem a mitologia cristã é a data da comemoração do martírio de jesus. Tendo tido uma educação católica, lembro-me vivamente das sextas-feiras santas dos meus tempos de menino (quase menino de coro...). Todo o drama invocado, as palavras aterrorizantes da bíblia lidas pelo pároco da igreja de s. joão de deus, toda a simbologia da via sacra, com as suas doze paragens, o crescendo dramático da última ceia até à crucicação, a solenidade do momento da crucuificação, produziram fortes impressões no meu incipiente espírito. Lembro-me particularmente de um dia de severa tempestade; lisboa estava debaixo de uma fortíssima trovoada. Eu estava com frio, molhado, nas profundezas do que me parecia então ser uma gigantesca catedral de altíssimos arcos ogivados. O céu estava negro, lá fora, e na igreja liam-se as solenes paralavras da crucificação com pausas signifivativas até ao expirar de jesus. Ao ser lido o momento da morte, o silêncio pesava sobre a igreja. Um silêncio pesado de meditação, quebrado apenas pelo ruído da tempestade, pelo ruído da chuva contra as janelas em ogiva da igreja. Lisboa estava coberta sob um manto escuro de nuvens cinzentas.

Por causa desse dia, para mim todas as sextas-feiras santas têm de ser cinzentas. Sextas-feiras santas solarengas não estão nada dentro do espírito tenebroso da coisa. Apesar de hoje em dia me orgulhar do meu ateísmo (não, não sou agnóstico, sou mesmo ateu). Esta conseguiu manter-se de acordo com a minha tradição interior.