quinta-feira, 10 de julho de 2025

Relação Do Novo Caminho Que Fêz Por Terra E Mar: Vindo Da Índia Para Portugal

 

Manuel Godinho (1974). Relação Do Novo Caminho Que Fêz Por Terra E Mar: Vindo Da Índia Para Portugal. Lisboa: INCM.

Na segunda metade do século XVII, o Padre Manuel Godinho foi imcumbido de trazer a Lisboa missivas para o rei. Não se fez ao mar, fez-se à terra, partindo da Índia numa odisseia que o levou a atravessar os desertos hoje iraquianos para chegar à Turqia e, por fim, à Europa. O livro relata o seu périplo, as rotas, cidades e gentes com que se cruzou na sua viagem. Pelas suas palavras, viajamos ao médio oriente do século XVII.

O livro é também uma crónica do declínio do domínio português na ásia, cada vez mais reduzido face à pressão das emergentes potências europeias. Ingleses e holandeses estavam a ganhar força, tendo aproveitado a união ibérica para atacar diretamente as possessões portuguesas, ou indiretamente apoiado os senhores locais. O autor lamenta este declínio, que na verdade é apenas um sintoma do clássico mal da história - tudo passa, os impérios de hoje são as vagas memórias de amanhã.

Apesar da relação ser factual, há um forte sentido de aventura neste padre que se faz aos caminhos. Visita e documenta os portos indianso do índico e os persas do golfo pérsico, vai à imensa foz do Tigre e Eufrates para chegar a Badgad (que denomina "Babilónia") e fazer o impensável, atravaessar os desertos até à moderna Jordânia e Turquia. É aqui que o livro mais brilha, com descrições da travessia e do cruzamento com os povos do deserto que são curiosamente similares, nalguns aspetos, às que T.E. Lawrence, um outro homem com uma missão, fez quando entrou na Arábia para arregimentar os árabes contra os turcos na I guerra mundial. Sente-se o deserto, sente-se o isolamento das terras, o misto de bom anfitrião e cupidez dos seus habitantes. 

O périplo pelas costas indianas, persas e arábicas é um fervilhar de povos, vidas e costumes. As rotas comerciais assim o ditavam, os intercâmbios constantes abriam os hábitos e modos de vida. No deserto, o contraste é total, o medo constante. Medo quer da sede, quer dos povos que faziam do assalto às caravanas modo de vida. Este padre seguiu pelos caminhos mais arriscados com um guia, um criado e um companheiro de viagem.

Dava um filme, este relato. Recorda-nos que na sua diáspora pelas sete partidas do mundo, os nossos antepassados viveram experiências extraordinárias, que poucos registaram em livros que a nossa memória tende a evitar.