sexta-feira, 3 de maio de 2024

Revista Pacto

Um dos privilégios de ser fã de literatura fantástica é ter encontrado, ao longo dos anos, um padrão recorrente em festivais e encontros literários: os jovens criadores, com um olhar alegre e algo deslumbrado, cheios de entusiasmo e inocência, a anunciar o seu novo projeto literário de grupo, a revista ou antologia que lhes dá voz. Ou melhor, porque nos dias de hoje a voz adquire-se em qualquer plataforma digital, tangibiliza a voz no prestígio que tem o objeto impresso, no livro ou na revista. É fácil perder a conta a estes projetos ao longo deste tempo (mas teria bom remédio, bastaria levantar-me do sofá e ir à biblioteca consultar os que tenho nas estantes). E todos têm o mesmo destino, raramente se aguentam para lá de dois ou quatro números. Porque a vida acontece, o trabalho e a vida pessoal dos criadores e equipes de editores leva-os por outros caminhos, perdem o tempo que tinham para afinar talentos ou participar nestes projetos. Da sucessão de projetos editoriais deste género que tenho lido, creio que só a revista Bang! se mantém, sustentada pela Saída de Emergência, que a vê como um projeto de soft marketing para o seu mercado editorial. 

Não leiam o parágrafo anterior com amargura. Não é uma rezinguice ou um suspiro triste sobre o estado das coisas. É um ciclo natural, e, como disse, um enorme privilégio assistir a estes lançamentos, ler as palavras e desfrutar das imagens que estes criadores nos legam. Sabemos que de todos estes nomes, destes rostos esperançosos que sorriem ao falar do que fizeram, a maioria irá desaparecer, poucos se irão manter com constância. São vozes que se calam, mesmo que continuem a criar, para a gaveta, ou para aquela pasta especial na cloud, que isto dos discos rígidos pode falhar. São os ciclos naturais da vida e da cultura.

Este número zero da Pacto, uma nova publicação independente dedicada à ficção especulativa (inclui ficção científica, fantasia, terror e ilustração, mas ando preguiçoso e prefiro abreviar), é mais um desres momentos de surgir de novos criadores. Foi um prazer lê-la, e espero que a equipa mantenha o gosto editorial e nos legue mais números.

O conteúdo é o que podemos esperar deste género de edições. Vozes novas, algumas inexperientes, muitas histórias em que as influências culturais dos autores são visíveis. Umas surpreendem pela sua qualidade literária, outras, nota-se que haverá caminho a percorrer. Algumas são quase inocentes na sua estrutura, outras muito surpreendentes e promissoras. É natural, é mesmo isto que se espera e se quer destas edições. Repetindo-me, é sempre um privilégio ler esta frescura de ideias,  sentir este entusiasmo.

Há que salientar o cuidado gráfico nesta edição. A ilustração é sempre muito cuidada, os colaboradores gráficos deram o seu melhor nas ilustrações que publicaram. A capa, a intuir uma FC otimista que, ao terminar a revista, afinal não o é (e se querem saber porquê, vão ler a Pacto), deixou-me a pensar nas diferenças de sensibilidade e ideário geracional. Os novos futuros de hoje são críticos e inclusivos, em contraste com outras formas de imaginar o que há de vir de tempos não muito distantes. Esse é outro dos privilégios deste tipo de leituras, este vislumbre sobre diferentes sensibilidades geracionais e as suas formas de entender o mundo.

Lançada no Festival Contacto 2024, a revista Pacto foi uma boa leitura. Cá estarei para ler o próximo número, e, espero, os seguintes. A presença digital deste projeto fica-se no Instagram (lá está, sensibilidades geracionais, resmungo eu após pesquisa infrutífera por website), que desafio a visitar: Pacto.