segunda-feira, 28 de maio de 2012

O que é é... belo.


Não percebi se a Marta ficou chateada com as minhas ruminâncias sobre gaiolas douradas onde o problema retratado é a mania que as meninas só podem brincar com brinquedos de menina e os rapazes só podem brincar com brinquedos de rapazes. Para deitar mais uma acha na fogueira devo dizer que quando as crianças me chegam às mãos o mal já está feito e os estereótipos sociais bem embutidos nas mentes. Como pormenor posso referir que nas brincadeiras (sérias, mas chiu que se mostrar que a coisa é séria a malta fica com medo e depois já não alinha) que faço em 3D com as crianças há uma clara diferença de género. Num dos programas que uso, que simplifica a criação de objectos 3D (a exportar em DXF para rendering bonitinho ou VRML para mundos virtuais, e é melhor calar-me que este resmungo não era suposto ser geeky), os rapazes deleitam-se em criar elaboradíssimos robots, naves, carros ou tanques. Já as raparigas ficam-se por animais. Rara é aquela que se atreve a criar um objecto mecânico. Nestas coisas também poderia entrar pelo espelhar dos estereótipos nos desenhos.

A questão coloca-se. O que se passa? Depois de tantos anos de luta por igualdades mais que nunca reforçamos inconscientemente a velha separação de papeis enquanto apregoamos a necessidade de igualdade. Pior: a coisa é feita subliminarmente, a começar nas roupas e brinquedos infantis. Misture-se com boas doses de cultura pop hipersexualizada e fica a ideia que andamos realmente a criar rapazes machões dedicados ao equivalente do século XXI da masculinizada mecânica e raparigas super-giras que até podem ter profissões e independências mas lá no fundo não descuram a casa, a cozinha e as crianças enquanto se querem vistas com o visual de supermodelos com um toque de pornografia soft-core. Et plus ça change.

A imagem é um antigo anuncio da Lego, dos tempos em que se praticava uma maior liberdade criativa e educativa. Ou antes: onde as empresas não se sentiam tentadas a esmifrar mais uns cêntimos de lucro à custa da inventividade natural de cada um. Quando os legos eram simplesmente blocos que permitiam construir qualquer coisa e não caixas temáticas cheias de pecinhas que servem para construir... o que está estampado na caixa. Ou, entrando noutros campos, quando ainda se acreditava que um computador serviria para tudo aquilo que o utilizador quisesse fazer e não apenas para consumir os conteúdos que fabricantes e vendedores consideram adequados.

Confesso que adoro a imagem. Adoro o conceito e o texto deste anuncio. É o mesmo espírito que orienta o meu trabalho como professor e investigador. Dar às crianças ferramentas e espaço para construírem o que quiserem. E tem tudo a ver com a citação com que insisto em encerrar as comunicações sobre as coisas do 3D, VRML/X3D e crianças: “Children have many opportunities to interact with new technologies – in the form of video games, electronic storybooks, and “intelligent” stuffed animals. But rarely do children have the opportunity to create with new technologies”.  Mitchel Resnick disse isto, se não me engano aqui: Computer as Paintbrush: Technology, Play, and the Creative Society. Vão ler, vale a pena. É que nem tudo o que é importante aprender se mede nos exames.