quarta-feira, 10 de agosto de 2005

Sol Poente

Este é o rascunho de um início. Até o título é transiente. Agradecia comentários...

Sol Poente

Têm de compreender que o sol sempre desempenhou um papel importante na minha vida. Tendo vivido os anos mais inocentes da minha vida numa antiquada vila à beira mar, o sol sempre foi aquela entidade omnipresente, o astro no céu que dominava os meus dias.

Claro que é já banal falar no sol poente, mas na verdade nunca deixei de me sentir fascinado pela espantosa paleta de cores que evolui ao crepúsculo. Também não posso esquecer as esteiras de luz solar em fins de tarde calmos sobre o mar, ou as explosões de luz matinal quando os raios do sol nascente tocam o nevoeiro. O sol, e a luz, a luz fria e agressiva das manhãs, a luz quente dos fins de tarde, que tudo banha em reflexos dourados.

Não consigo traçar com exactidão o momento em que decidi aproximar-me do sol. As geometrias da memória, sempre tão convulutas e não lineares, não mo permitem. Talvez tenha sido naqueles dias longínquos da minha infância, em que o sol iluminava as rochas e as areias desertas das praias na maré baixa. Naqueles momentos em que os bancos de areia estão lisos, ainda imaculados de pegadas e minúsculas dunas geradas pelo vento.

Já olharam com atenção para uma praia na maré baixa? Como por milagre, o mar recua, levantando um véu sobre intricados recantos e paisagens invisíveis. A absurda fractalidade da erosão marítima revela buracos tenebrosos e piscinas naturais, que à primeira vista parece desertos mas que olhares mais atentos revelam estruturas intricadas fervilhantes de vida. Ali, aos nossos pés, revelada por breves instantes graças aos caprichos gravitacionais lunares, está um mundo verdadeiramente alienígena, onde seres multicoloridos vivem por entre estruturas submersas.

Na mente inocente dos meus anos de meninice, geraram-se assim as variáveis da equação que hoje me levam a contemplar o ecrã onde o sol, o sol terrestre, se revela como um ponto, mais um ponto brilhante no meio do oceano negro do espaço interestelar. Um ponto cada vez mais distante, do qual me afasto a uma velocidade sub lumínica constante. O meu destino é absolutamente previsível, a órbita de um novo sol. Mesmo que quisesse alterar o meu destino, não o poderia fazer. A vontade implacável da inteligência artificial que controla os sistemas complexos deste aglomerado de módulos soldados ao propulsor sub lumínico. Sob os raios desta nova estrela, tentarei afastar os véus de uma atmosfera alienígena, e perscrutar as paisagens de um novo mundo. Adivinhar as geometrias dos espaços escondidos sob as nuvens cuja real composição é conhecida apenas pelo espectómetro e que a inteligência artificial me informa amávelmente que é tolerável pelo ser humano, sempre protegido por um fato de astronauta.