quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Visões



Star Wars: The Force Awakens (J.J. Abrams, 2015).

It is I, Threepio, diz solícito o clássico C3PO a interromper o reencontro entre Han Solo e Leia Organa em The Force Awakens. Terei ouvido bem? Uma piada do Allô Allô no meio do mais recente episódio da saga Star Wars? Que é, de facto, o filme que precisávamos para voltar a gostar desta série incontornável. Tem sido criticado por se colar muito aos três primeiros, os clássicos que se cimentaram na cultura popular, com estruturas narrativas e cenas específicas deles decalcadas. Ao fazê-lo, recuperou o espírito de aventura pura da série, perdido com as três maçudas prequelas que exploraram mais enredos telenovelísticos bizantinos e o fascínio com efeitos especiais digitais do que os aspectos que tornam Star Wars interessantes. JJ Abrams recuperou o deslumbre da aventura num filme que, não sendo isento de problemas e falhas de lógica (se bem que estamos a falar de uma série cinematográfica de ficção científica que deixa a lógica, a especulação científica e a plausibilidade do lado de fora da porta da sala de cinema), é empolgante e captura muito bem o espírito clássico dos filmes originais, actualizando alguns aspectos para uma cultura global mais apreciadora de diversidades de género e etnia.

Com este filme, Star Wars evolui de aventura de e para rapazes brancos para algo mais inclusivo, rodando à volta de uma heroína feminina, espelho mais desenvolto do que o cândido Luke Skywalker original, e de um ex-stormtrooper afro-americano contra um vilão mais birrento que assustador. Aspectos que estão lá mas não formam o cerne do filme, que continua a ser aventura old school revivalista. Atrevam-se lá a dizer que não se empolgaram com a carga de caças X-Wing sobre o campo de batalha em que se tornou o castelo de Maz Kanata ou o reviver das cenas marcantes da saga original, copiadas por George Lucas de Battle of Britain e The Dambusters, no ataque final à terceira iteração da Estrela da Morte? Que não sorriram quando os personagens faziam referências sorridentes a momentos icónicos? Don't you have a garbage chute, pergunta Solo nas entranhas da arma final. Que não perceberam a caricatura às tropes dos romantismos young adult, com um Kylo Ren a querer parecer imponente, com uma voz digital verdadeiramente arrepiante, mas a revelar-se um puto mimado dado a birras violentas e de competência duvidosa? Rever os envelhecidos Solo, Leia, Chewbacca e Luke é um mimo, bem como o redescobrir das proezas do Millenium Falcon.

Meter-se com uma série com este historial e sobreviver com um filme memorável é feito raro, que nem o seu próprio criador conseguiu, e JJ Abrams trouxe uma muito necessária revitalização que equilibra o classicismo com a evolução narrativa de Star Wars. Um carácter que fica marcado logo na primeira cena do filme, com o cruzador imperial a sobrepor-se ao planeta numa diagonal que parte do canto inferior direito para o superior esquerdo do ecrã, curiosa inversão da cena que abre o primeiro filme da série Star Wars. Sublinha o enorme cuidado com a cinematografia, sobre a qual corre a história. Deixando as lógicas da FC mais séria fora da sala de cinema, claro, mas Star Wars é assim. Temos todas as razões para a detestar mas não conseguimos deixar de gostar.


Childhood's End (Syfy Channel, 2015).

É bom ver o SyFy Channel a querer regressar à FC pura, afastando-se dos maus filmes de série B com que tem ficado conotado. Esta inflexão tem-nos trazido séries divertidas como Dark Matter e Killjoys, e a excelente adaptação de Expanse. Uma mini-série que adapta um conto clássico de Arthur C. Clarke teria à partida tudo para ser bem sucedida, mas falha redondamente. Childhood's End mantém-se fiel à narrativa clássica dos sonhos de transcendência e imagens de consciências universais da obra de Clarke, mas as filmagens parecem ter sido entregues às equipas veteranas dos maus filmes do canal. O resultado é um tédio de série, cheio de cenas ponderadas em que os personagens olham com ar pesaroso/assustado/determinado/imponente para o infinito, num ritmo tão lento que se sente a passagem dolorosa dos segundos. A cinematografia é horrenda, mais apropriada a telenovela do que a série de aspiração cinematográfica. Salvam-se as sequências passadas dentro das naves dos Overlords, uns belíssimos cenários de tecnologia de aspecto orgânico. De resto, toda a série é um pretensioso tiro ao lado, que torna oca e muito chata uma obra clássica de FC. É um regresso ao pior do que o canal já nos habituou. Pelo menos sem tubarões dentro de tornados.