quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Leituras

The European Archipelago: Custa um bocado ler que "a Portuguese SF&F author is nothing but a curiosity, somewhat similar to the bizarre news announcing that in Bucharest some anonymous authors from Mars were spotted." Mas há que dar razão ao autor desta visão pessimista sobre a FC europeia. O desconhecimento das tradições editoriais dos vários países é enorme. A falta de uma língua comum e a hegemonia da FC anglo-saxónica são pesos tremendos, mas se cada um continuar fechado na sua ilha a tendência continuará. Nós por cá, na terra dos autores-curiosidade, mal sabemos do que se passa mesmo ao lado da fronteira, apesar de uma barreira linguística baixa (ou baixíssima, se escreverem em galego). Temos laivos da FC francófona, mas não graças aos esforços do Institut Français (apesar de terem cá trazido há três anos Bernard Werber no contexto de uma pequena exposição) e com a quase extinção do francês no ensino público, a possibilidade de novos leitores está cada vez mais reduzida. Da alemanha há alguma coisa por cá publicada que nem chega a levantar a ponta do véu da FC num país com a série de género mais longa de sempre. É capaz de haver FC clássica e contemporânea italiana, polaca (disse isto de forma intencional...), enfim, até romena, mas tirando pequenas iniciativas que depressa perdem fôlego fica cada uma na sua ilha. Posso recordar a International Speculative Fiction, desaparecida este ano, como um excelente exemplo do que se pode fazer no intercâmbio inter-europeu. Projectos como o Europa SF, se vencerem o teste do tempo, poderão começar a inverter estas tendências e abrir o espaço da FC europeia. Há ainda algo que me intrigou no artigo: a observação sobre o monolitismo temático da FC anglo-saxónica (e por extensão americana) que de facto revela algo que se sente, um solidificar de ideias, um constante bater na mesma tecla, apesar das lufadas de ar fresco das vanguardas de fronteira do transreal.

The Anti-Tolkien: Depois de assentar a poeira do entusiasmo de fanboy por ver Michael Moorcock em perfil na venerável New Yorker, há que ressalvar que a obra do autor vai muito mais longe do que esta liminar colagem a Tolkien. O artigo toca na influência da New Worlds como renovadora de géneros, mas esquece o lado FC de Moorcock para se centrar na visão antagónica da sword & sorcery mais amoral e visceral do que a pureza ideológica de Tolkien. Mas sendo este o autor-referência na cultura popular, suspeito que esta colagem seja uma espécie de Moorcock for Dummies...

A day in 2060: Uma intrigante especulação tecnocrática de toque singularitário, num excerto de um artigo partilhado no reddit. É uma clássica visão cardboard future sobre um futuro limpo e funcional, mas algo incomoda. Todo o texto vive de uma noção benévola de controle comportamental através de tecnologia, visto como algo de positivo e desejável. Num ambiente de vigilância digital pervasiva até os desvios mais inócuos às normas podem ser identificáveis e castigáveis. No deslumbre tecnicista/singularitário os autores do artigo parecem esquecer-se do simples humanismo da liberdade individual e do direito à diferença. Ou talvez seja este o percurso da evolução e no futuro se olhem as ideias de hoje sobre liberdade e livre arbítrio como se fossem relíquias extintas, como, talvez, o adorar estátuas de madeira e barro pintado ou jurar fidelidade ao senhor feudal.

What Did Ancient Babylonian Songs Sound Like? Something Like This: O trabalho de recriação musical é ingrato. Nunca saberemos exactamente como soaria a música suméria, egípcia, romana, ou até das eras mais próximas antes da invenção dos registos audio. Estas interpretações são, no seu melhor, aproximações informadas com base nas investigações arqueológicas. No entanto, não deixa de haver algo de mágico no poder ouvir sons milenares e palavras que por fugazes momentos revivem línguas há muito transformadas em poeira.