terça-feira, 13 de agosto de 2013

Perry Rhodan (1-5)


Karl-Herbert Scheer (1969). Perry Rhodan Enterprise Stardust. Nova Iorque: ACE Books.

Iniciar a leitura das aventuras deste personagem icónico da FC germânica apresenta um problema único. Os livros de Perry Rhodan englobam uma série continuamente publicada desde os anos 60 num ritmo semanal, o que significa que a lista de títulos já ultrapassa os quatro mil. Talvez um fã ferrenho encontre tempo e dedicação para ler tudo. E capacidade de leitura em alemão, já que a publicação noutras línguas é mais reduzida. Dizem os entendidos que há alguns livros essenciais para entender uma série que se actualiza e se divide em diferentes ciclos, cada qual com algumas largas dezenas de livros. Aqui confesso que consultei um grupo de especialistas ferrenhos no Brasil, onde a série teve tradução assegurada durante alguns anos e existe uma comunidade que se dedica a partilhar e traduzir as novas edições alemãs (certo, não entremos em questões legais, note-se que em Portugal Rhodan é uma raridade desconhecida e este fanboy de FC tem um conhecimento de alemão que oscila entre o reduzido e o nulo). Desconheço alguma outra série de literatura de FC que tenha um tão longo historial de publicação. Penso que nem as infindas novelizaçãos às voltas com o universo Star Wars conseguirão aproximar-se da longevidade prolífica de Rhodan.

Para um curioso pela história e diferentes vertentes da FC mergulhar na série Perry Rhodan, apesar de ser incontornável, é tarefa difícil. Os conhecedores sugeriram uma longa lista de obras representativa dos diferentes ciclos mas pessoalmente procuro entender qual a génese da série antes de olhar para leituras específicas. Felizmente, graças a Forrest J. Ackerman, as primeiras cento e cinquenta histórias da série foram traduzidas e editadas nos Estados Unidos pela ACE Books. Foi por aí que decidi começar o mergulho nesta que forma das fronteiras alemãs é uma série tão pouco conhecida. Estruturalmente, as aventuras de Rhodan são contadas de forma sequencial em livros que funcionam mais como conto longo e episódico do que livro volumoso, o que simplifica um pouco a tarefa.

Enterprise Stardust é o primeiro da série e o que estabelece a premissa base do universo de Rhodan no que se tornará o primeiro ciclo. Rhodan é um coronel norte-americano que com a sua tripulação está encarregue de pilotar a primeira nave americana tripulada capaz de aterrar na lua. Mas na órbita lunar algo corre mal e a nave Stardust faz uma aterragem acidentada. Enquanto na Terra o pessoal de apoio se afadiga, desesperado, à procura de soluções a tripulação faz uma misteriosa descoberta no solo lunar: uma gigantesca nave espacial alienígena. Após uma intrépida intrusão na nave, Rhodan e os companheiros travam conhecimento com a raça dos Arkonides, um império interestelar científicamente avançado mas em decadência moral. Ficamos a conhecer dois alienígenas particularmente importantes: o benévolo cientista Khrest, que padece de uma forma de leucemia que a ciência arkonida é incapaz de curar, e a bela e imperiosa Thora, comandante de personalidade férrea que vê nos humanos pouco mais do que primatas capazes de articular frases. A nave foi forçada a aterrar na lua após uma avaria que interrompeu a sua missão de procurar um planeta que de acordo com as lendas arcónidas deteria o segredo da vida eterna, permitindo curar Khrest e revitalizar um império moribundo. Rhodan e os companheiros depressa se apercebem que está em jogo mais do que a sua sobrevivência. O contacto com a espécie alienígena e a sua avançada ciência transformarão irremediavelmente a humanidade. Contra as objecções da comandante, o cientista alienígena percebe que na personalidade humana poderá estar a chave para fazer evoluir o império.

Rhodan surpreende. Apesar deste início estar irremediavelmente datado (não por acaso, existe em alemão uma espécie de reboot intitulado Neo) a estrutura narrativa é poderosa. O ritmo preciso e implacável mantém o leitor agarrado aos desenvolvimentos da história. Quanto às personagens, são encarnações literárias da iconografia da FC da época. Rhodan destaca-se pelo carácter decisivo e sentido de honra, sublinhando a masculinidade primária aliada à inteligência, enquanto os companheiros são os melhores nas suas especialidades e fieis seguidores do líder. Os arcónidas são descritos como uma raça decadente, mais interessada no entretenimento do que no dever (e isto é algo tão, mas tão germânico...) apesar das mulheres manterem vivo o espírito combativo. O mundo da série (pelo menos neste início) é um decalque da época. O cenário é o de pura guerra fria, com uma oposição absoluta entre blocos ocidental e orientais e uma paranóia militarista que mantém o mundo num precipício nuclear.


 Karl-Herbert Scheer (1969). Perry Rhodan The Third Power. Nova Iorque: ACE Books.

Na continuação directa de Entreprise Stardust, Rhodan e a tripulação regressam à Terra acompanhados pelo alienígena Khrest. Imbuído pelo espírito de dever, Rhodan decide quebrar os laços nacionalistas e criar um novo poder na Terra. Entende que o seu dever é para com a humanidade e não para com uma nação específica. O contacto com a pequenez cósmica e uma promessa de novas grandezas coloca Rhodan numa posição em que vê para além das disputas clássicas entre estados-nação para entender a humanidade como algo único e que deve ser unificada para conquistar as estrelas. Para isso, aterra no deserto do Gobi e desafia os governos das principais potências a colocar de lado as diferenças e trabalhar em prol da humanidade. Apesar de despertar simpatias individuais, é visto como uma ameaça por todos os poderes estabelecidos.

Há um pormenor curioso neste livro. Ao estabelecer-se na Terra Rhodan, com auxílio da tecnologia arcónida, define-se como uma terceira potência, mas tem de enfrentar uma aliança incómoda entre os Estados Unidos, a União Soviética e a China - três potências militares. Claramente a noção de potência têm aqui um forte cunho ideológico, com a promessa de imperialismo cósmico de Rhodan a colocar-se no meio das disputas entre imperialismo capitalista e imperialismo comunista.


Karl-Herbert Scheer (1969). Perry Rhodan The Radiant Dome. Nova Iorque: ACE Books.

Protegido por um campo de forças arcónida, Rhodan e os seus amigos sofrem um bombardeamento contínuo por parte de forças conjuntas das potências militares terrestres. Inabalável na sua decisão de levar a humanidade além da territorialidade, Rhodan suporta as bombas enquanto vai influenciando agentes secretos que tentam penetrar na nave Stardust. Entretanto, começa o processo de cura de Khrest, graças aos esforços do maior especialista humano em leucemia. Na lua, a imperiosa Thora mostra-se cada vez mais impaciente para com os terrestres. Um ataque nuclear é travado pela ciência arcónida, que entre as potentes armas de defesa de que dispões conta um raio capaz de anular as ogivas nucleares.


Walter Ernsting (1969). Perry Rhodan The Radiant Dome. Nova Iorque: ACE Books.

Um ataque combinado com novas armas nucleares que não são afectadas pela tecnologia arcónida destrói a nave arcónida despenhada na lua. Thora sobrevive porque decidiu dirigir-se numa nave auxiliar à Terra para ver o estado de Khrest, curado da leucemia. As pressões dos governos terrestres não diminuem, e os arcónidas sobreviventes serão forçados a aprofundar a aliança com Rhodan para que conjugando ciência arcónida e indústria terrestre possam construir uma nova nave interestelar. Incapazes de destruir Rhodan e a Stardust, os governos terrestres tudo fazem para bloquear a chamada terceira potência, mas os agentes enviados sucumbem aos poderes mentais amplificados de Rhodan e tornam-se seus aliados. Um dos tripulantes de Rhodan vai incógnito aos Estados Unidos para adquirir materiais e peças às indústrias, e cruza-se com uma outra força emergente na Terra. Num mundo nuclear, pós-hiroxima, são cada vez mais os indivíduos que demonstram poderes telepáticos.


Kurt Mahr (1969). Perry Rhodan Galactic Alarm. Nova Iorque: ACE Books.

Com este livro entramos finalmente em modo space opera com toque guerra fria. Encalhados na Terra, os arcónidas Khrest e Thora têm de se habituar a uma co-dependência de uma espécie que vêem como inferior. Se Khrest tem esperança no futuro humano, para Thora a convivência com a humanidade é fortemente perturbadora. Mas a determinação de um Rhodan cuja mente foi amplificada pelas máquinas de aprendizagem arcónidas e a confissão da sua paixão pela bela e imperiosa alienígena deixam-na desconcertada. Entretanto, a humanidade enfrenta uma ameaça cósmica. Um sinal automatizado de socorro dos destroços da nave arcónida destruída na lua pode vir a trazer uma frota de naves robóticas que não hesitarão em destruir o planeta com retaliação. Torna-se urgente construir uma nave espacial com a mistura de tecnologia e para isso Rhodan convence o todo-poderoso Mercant, chefe da espionagem ocidental, que a ameaça é real e que os governos da Terra se devem unir para tentar lutar contra a ameaça galáctica. O livro arrasta-se num tom apocalíptico, com Rhodan a criar documentos que possibilitem à humanidade recuperar em caso de destruição total. Felizmente, a ameaça das naves robóticas não se concretiza e Rhodan, aos comandos da primeira nave espacial armada terrestre, tem de enfrentar uma nave de uma civilização com tecnologia inferior que tomou conta da base robótica arcónida. A batalha espacial revela a perícia em combate de Rhodan que, vitorioso, afasta por agora a ameaça que paira sobre a terra.

Cinco livros estão lidos, mas muitos mais ainda faltam para continuar a descobrir esta série intrigante. Ler Perry Rhodan é uma curiosa alternativa à sensibilidade anglo-saxónica e americana que pervade a literatura de FC. O gosto literário contemporâneo começa a descobrir outras sensibilidades, com escritores de países periféricos ou não europeus a atingir reconhecimento global. Perry Rhodan mostra outra vertente, uma longa tradição de publicação consistente de FC quase desconhecida fora do país de origem mas que por mérito próprio merece lugar no panteão do género.